Precisamos falar sobre HIV/Aids: discussões sobre as políticas públicas de combate à Aids/HIV

É necessária a conscientização e o combate aos estigmas, preconceitos e desinformação que circundam a AIDS, portanto, a Editora UEA, no mês de dezembro, recomenda o livro: HIV/AIDS, Gênero e Sexualidade: políticas e práticas de prevenção, testagem e aconselhamento¸ produzido durante o I Seminário Amazonense de HIV/Aids, Gênero e Sexualidade: políticas e práticas de prevenção, testagem e aconselhemanto e organizado pelos professores André Luiz Machado das Neves e Munique Therense, no ano de 2018.

No dia 1 de dezembro foi instituído o Dia Mundial da Luta Contra a AIDS, resultado de diversos protestos e mobilizações sociais, e surgiu como uma forma de alertar a sociedade denunciando o longo processo de invisibilização e marginalização de pessoas com HIV/Aids. Portanto, é imprescindível debater para tentar reverter esses processos de discriminação e violência, que infelizmente são naturalizados socialmente.

O livro está dividido em cinco capítulos, que abordam acerca das diferentes vivências e políticas que perpassam a doença.

O primeiro capítulo, escrito por Munique Therense, André Luiz Machado das Neves, Vivian Lima Marangoni e Socorro de Moraes Nina, tem como título “É para dar aula ou fazer ativismo?” da “ciência e afeto” para uma crítica à biomedicalização da prevenção do HIV/Aids. Os autores apresentam as disciplinas as quais fizeram parte, elucidando como os processos de saúde afetam a sociedade e como tais ideologias políticas são capazes de oprimir e silenciar, impedindo-os de exercerem seus direitos como cidadãos. Ao fim de todo o processo de discussão social, iniciaram a discussão acerca da biomedicalização do HIV/Aids. No seminário, em mesas redondas, foi problematizada a questão de se focar apenas na biomedicalização do HIV/Aids,  desconsiderando diversos outros fatores, tais quais: os indivíduos, a prática sexual, o psicológico, a convivência social etc., fatores estes que excluem e discriminam as pessoas e mantêm estigmas pré-induzidos com o intuito de negar a vivência e desresponsabilizar o Estado da tutela destes cidadãos.

O segundo capítulo, Homens jovens com práticas homossexuais e epidemia do HIV/Aids: por uma re-erotização da prevenção, escrito por Luís Felipe Rios, problematiza como as campanhas de prevenção e de tratamento estão sendo deixadas de escanteio, tornando vulneráveis as principais pessoas que são afetadas por essa doença pela falta de informação e ação dos órgãos responsáveis. O autor denota que tal retrocesso nos projetos de campanha voltados para HSH (Homem que faz Sexo com Homem) se dá por conta do projeto político de conservadorismo social acerca do tema sobre sexualidade e gênero que vem se instaurando no país – 2018.

Através de pesquisas, ele evidencia o aumento do número de casos, apontando as regiões Norte e Nordeste como as mais afetadas e as que menos possuem projetos de intervenção de combate à epidemia. Luís Felipe apresenta também três aspectos relevantes ao se pensar na sexualidade masculina, o primeiro consiste na idade que determina hierarquias de práticas sexuais, o segundo seriam as posições sexuais que generalizam a comunidade e perpassam percepções de mundo, atravessando também questões de performance, raça, estilo etc., e por fim, aborda os territórios da sexualidade e aponta locais onde essa comunidade se encontra, sejam elas presenciais ou on-line, elucidando as práticas e como o sistema de prevenção e conscientização funcionam.

Partindo para o fim do capítulo, tendo em vista a discussão apresentada, o autor discute acerca de como a Aids é vista nesses locais de maneira preconceituosa, considerando que, segundo ele, o maior número de casos se apresenta entre os HSH. O autor problematiza a falta de investimento na prevenção do HIV/Aids, em contraponto às intensas abordagens nos métodos de tratamento da doença. Claramente, um não elimina o outro, porém, conforme indicado no capítulo, assim como as campanhas de tratamento são divulgadas, as de prevenção também deveriam, considerando “as especificidades socioculturais da construção da sexualidade na interface com as categorias etárias e as sociabilidades produzidas nos contextos de interação de homens com práticas homossexuais” (p. 46).

O terceiro capítulo, Aconselhamento nos CTA: uma análise do habitus profissional e da invisibilidade da prevenção baseada na ‘emoção e na comunicação’, escrito pelas pesquisadoras Claudia Mora e Simone Monteiro, acompanha um CTA (Centro de Testagem e Aconselhamento) no Estado do Rio de Janeiro e discute como as campanhas de prevenção são afetadas pelo conservadorismo social. Ao fazerem a abordagem de um panorama histórico, as autoras discorrem sobre como se deu a evolução das ONG’s para os CTAs e denunciam as práticas que apenas elucidam o saber, ao invés de o saber-fazer, ou seja, apenas a conscientização da doença, não enfatizando a prática da prevenção. Elas apresentam também acerca da formação desse orientador, pois deve-se levar em conta diversos fatores no processo de atendimento de pessoas com HIV/Aids ou HSH, exemplificando alguns atributos: escuta ativa; conhecimento atualizado acerca de IST; e respeitar e entender o cliente em sua diversidade. As autoras endossam que esse preparo e essa resposta ao paciente é importante, pois suas primeiras reações quanto ao contágio ou não, dependem de como foi sua recepção ao fazer o teste rápido.

O quarto capítulo, Saúde pública, psicologia e HIV/Aids, escrito por Jenny Milner Moskovics, discute como a psicologia é essencial no tratamento do paciente com HIV/Aids, tendo que passar do simples aconselhamento e abordar uma psicologia social e da saúde, pois não é eficaz apenas testar e medicar, é necessário ir além do consultório e cuidar. A autora salienta essa necessidade da humanização dos pacientes, tanto os que testaram positivo quanto os outros diversos casos que aparecem nos consultórios, pois apesar de parecer o básico, ela comenta como os pacientes são tratados com preconceito e estigma, excluindo-os dos direitos básicos, marginalizando-os e ignorando suas existências.

O quinto capítulo e último capítulo do livro, Medicalização e conservadorismo: ameaças ao debate sobre saúde, sexualidade e gênero na educação brasileira, escrito por Kalline Russo, Kelly Russo e Kenneth Rochel Camargo Jr, analisa como o processo de educação sexual na escola tem sido afetado por governos conservadores, deixando as crianças e adolescentes expostos a diversos riscos por falta de conhecimento. Os autores apresentam dados que apontam o crescimento dos casos de gravidez na adolescência, os casos de adolescentes com IST’s por conta de políticas públicas que, ao invés de melhorarem as vivências, acabam por prejudicar todo o coletivo.

As autoras dividem o capítulo em três partes: Programa saúde e prevenção nas escolas: professores, estudantes e familiares opinam sobre a perspectiva de direitos discute como o SPE (Saúde e Prevenção nas Escolas) aborda apenas questões supérfluas e que é necessário uma atualização, considerando o contexto e a diversidade sexual e de gênero do Brasil atual. Conforme pontuado por elas, o conservadorismo expõe a população ao perigo da desinformação, deixando-a desprotegida quanto a consciência de prevenção à saúde e combate à violência. Avanço da medicalização na prevenção e espaços reduzidos para o debate sobre a sexualidade: mudança nas políticas públicas apresenta como o ultraconservadorismo e o neoliberalismo que vem dominando as redes públicas prejudicam os processos de combate e de acesso ao tratamento, elitizando o tratamento e discriminando uma parte da sociedade; e Movimento escola sem partido: controle e censura ao debate sobre sexualidade, gênero e direitos na educação denuncia como o movimento Escola Sem Partido, de cunho neoliberal e ultraconservador, deixa crianças e adolescentes desprotegidos acarretando em adultos poucos críticos e sem o devido preparo para lidar com determinadas questões, tais quais, o HIV/Aids. Elas explicitam que tal movimento é antidemocrático, tendencioso e prejudicial, pois nega aos cidadãos o conhecimento social e perpetua discursos homofóbicos, misóginos, transfóbicos, racistas etc.

Percebe-se neste texto como o Estado negligencia diversas causas importantes e transfere o seu dever de, além de combater a discriminação seja ela qual for, promover o bem de todos os cidadãos, conforme diz a Constituição para o indivíduo marginalizado, sem acesso e sem condições de sobrevivência. É necessário refletir tais temáticas e problematizar certos discursos para não se tornar cúmplice de uma execução pública, pois conforme exposto na obra:

É preciso enfrentar o moralismo sexual, que nos últimos anos ganhou fôlego e se espalhou pela sociedade brasileira. A prevenção do HIV/aids exige uma conversa aberta sobre sexo. Não há como fazer prevenção sobre uma doença que se propaga sexualmente sem abordar os contextos, os desejos e as práticas sexuais que efetivamente acontecem (p. 48).

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