Neste mês de Carnaval, a Editora UEA apresenta, como recomendação de leitura, o livro Rivalidade e Afeição: ritual e brincadeira no bumbá de Parintins, escrito pela pesquisadora Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti. Por meio de memórias e registros, a obra nos leva em uma viagem profunda sobre um dos maiores festivais nortistas, o Boi-Bumbá, e discorre acerca da trajetória de formação do Boi Caprichoso e do Boi Garantido, apresentando as vitórias e as derrotas, as torcidas e a importância que essas figuras folclóricas têm para a sociedade do Norte do país.
O livro, em sua introdução, aborda acerca das encantarias representadas durante o festival, que podem surgir tanto das profundezas dos rios quanto das brenhas das florestas, apontando como ocorreu a metamorfose dessas figuras folclóricas em um espetáculo de cores vibrantes e místicas, dando palco para uma arte popular e de rua e, com isso, valorizando, enriquecendo e respeitando a cultura ribeirinha.
O primeiro capítulo, “O Boi-bumbá de Parintins: breve história e etnografia da festa”, faz uma breve contextualização acerca do espaço em que o evento ocorre, o Bumbódromo de Parintins, no Amazonas, e apresenta as mudanças pelas quais o festival passou desde que foi trazido pelo colonizador branco. Com enfoque no Estado do Amazonas e nos bois Caprichoso, boi preto com uma estrela na testa, e Garantido, boi branco com um coração na testa, o imaginário popular ribeirinho é personificado por meio de elementos da cultura do Norte, que geralmente são ligados ao rio e à floresta. Ao fim do capítulo, comenta-se como os bois se tornaram um elemento crucial na economia da cidade, tornando-se uma organização civil com um sistema elaborado para subsidiar o evento, a estrutura, o roteiro de apresentação e os principais personagens das toadas.
O segundo capítulo, “O indianismo revisitado pelo boi-bumbá”, expõe o indígena nas toadas durante o festival, sendo, tal representação, levantada pela autora como o novo movimento indianista. Ele apresenta como ocorre a conversa entre negros e indígenas, de maneira que seus elementos culturais se unam e tornam-se um só durante o festival e discute como a influência pode ser uma importante ferramenta na desconstrução do pensamento eugenista ao se referir às culturas indígenas e africanas.
O terceiro capítulo, “Morte e ressurreição do boi no Brasil. Mito e rito do bumba, meu boi”, discorre acerca da reconfiguração narrativa da morte e ressurreição do Boi em diversas regiões do mundo. A autora, neste capítulo, traz algumas versões do auto e analisa a estrutura de como essas narrativas são contadas, objetivando uma melhor compreensão acerca do mito de origem e as vicissitudes na contemporaneidade. Tecendo os pontos do mito de origem (o boi majestoso, a relação do vaqueiro com a família do patrão, o desejo da grávida Catirina em comer a carne do boi, o assassinato do boi pelo vaqueiro, a busca pelo vaqueiro, o acordo entre patrão e vaqueiro e a ressurreição do boi), a autora apresenta as relações de poder, as lutas de classe, a representação de gênero e as crenças dentro do mito e consequentemente no festival.
O quarto capítulo, “Os sentidos no espetáculo”, discorre sobre as construções imagéticas feitas no Carnaval carioca e no Boi-bumbá de Parintins, explicando as disparidades nos sentidos de dança e nos elementos componentes dos festivais. Aprofundando, também, as comemorações ritualísticas que se fundiram ao popular e impactaram seus núcleos sociais, com suas músicas, danças, artes plásticas, etc., reformulando a cultura e dando espaço para as formas de expressão negligenciadas no meio social elitista. E, por fim, no centro dos eventos, conforme explicitado pela autora no capitulo, os desfiles são a principal atração; as escolas de samba e os bois, por meio de carros alegóricos, utilizam de toda sua capacidade e criatividade poética, sonora e visual para realizar todo seu encanto de forma festiva e objetivada.
O quinto e o sexto capítulo, “Formas do efêmero: alegorias em performances rituais” e “Alegorias em ação”, tem como foco a execução dos desfiles, seja ela no Carnaval, seja no Boi-bumbá. Os carros alegóricos são apresentados como um dos elementos principais, pois funcionam como guias narrativos, responsáveis por conduzir a plateia e deixá-las imersas na contação que está sendo construída naquele momento. A autora comenta sobre o quanto as construções dos carros são minuciosas, pois levam em consideração não só a plateia, mas também a transmissão pela TV. Sendo o tema de alguma escola de samba ou de um boi em específico determinado pelas alegorias e toadas ou sambas-enredo, os idealizadores devem pensar em possíveis imprevistos que possam ocorrer para assim serem evitados, de maneira que o desfile ocorra com êxito e transmita a experiência única das festas. Um ponto de divergência entre os festivais, levantados nos capítulos, consiste na apresentação estática das escolas de samba (que, conforme a autora, as alegorias entram montadas e saem montadas) e nas transformações que as alegorias e dançarinos fazem durante o desfile do festival de Parintins (fantasias mudam, alegorias se transformam, etc.), tal ponto, permite, conforme dito pela autora, comparar os festivais e entender seus objetivos.
O sétimo capítulo, “O boi em dois tempos: O bumba meu boi em Mário de Andrade e o bumbá de Parintins hoje”, apresenta a imagem do boi e seus elementos durante o festival de Parintins pela perspectiva de Mário de Andrade e a do festival. Apresentando a visão de Mário de Andrade no livro Danças dramáticas do Brasil, a autora comenta que, mesmo com as comparações de Mário com as outras danças folclóricas, o boi-bumbá se mantém único em estrutura para preservar o imaginário arcaico-histórico da população. Ela aponta que o autor se admirou da narrativa do boi, que para ele, apesar de simples, apresentava diversos elementos e recursos que lhe davam um ar mais majestoso. Em seguida, contextualizando o bumbá, é exposto, no capítulo, o festival que ocorre por três noites em Parintins, que foi remodelado e se distanciou do modelo nordestino que, conforme a autora, é sempre comparado.
O festival, atualmente, segue uma linha narrativa temática que é explorada por, em média, 80 minutos durante as três últimas noites de junho pelos dois bois. No fim do capítulo, a autora comenta que algumas vezes associam o festival de Parintins ao resgate dos valores tradicionais da região, porém ela deixa bem explicado que todos os anos o festival é renovado e contextualizado com o momento, revitalizando a festa e apresentando a cultura popular às novas gerações por meio das mais antigas.
O último capítulo, “O ritual e a brincadeira: rivalidade e afeição no bumbá de Parintins”, estuda a teatralização do ritual, ou seja, como ocorreu a transformação de um ritual para um ato dramatizado e um festival folclórico. A autora traz referências históricas de como antigamente os deuses desse povo eram cultuados em festivais, e como esse rito cultural se desenvolveu com o advento da modernidade. Ela comenta acerca da necessidade da rivalidade entre os bois e o quão importante é escolher entre um dos lados durante o festival, para que a experiência mágica de “brincar de boi” seja sentida em toda a sua amplitude. Por fim, apresenta ainda, a relação e as motivações entre as torcidas dos bois Garantido e Caprichoso, e a importância que elas têm para a formação do festival.
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