Liberdade de expressão e religião: um parecer sobre a obra “Religiões e lutas contra-hegemônicas na Amazônia”

Há muito tempo se discute sobre o papel da religião na sociedade. Em busca de examinar essa influência teológica, grupos de pesquisa de universidades públicas compõem trabalhos focados em visibilizar as vertentes das doutrinas presentes no corpo social. Diante desse contexto de estudo e debate, os pesquisadores Diego Omar da Silveira, Clarice Bianchezzi, Marcos Vinicius de Freitas Reis e Adriano Magalhães Tenório organizaram a obra intitulada Religiões e lutas contra-hegemônicas na Amazônia, publicada em 2020, pela Editora UEA.

O livro é fruto do I Simpósio Norte da Associação Brasileira de História das Religiões, realizado na cidade de Parintins (AM), no ano de 2017. Além dele, a coletânea Religiões, fronteiras e identidades na Amazônia (Editora UEA, 2020), publicada antes, também é resultado do evento. Assim como seu antecessor, com o objetivo de perpetuar a diversidade dos movimentos religiosos e trazer para a universidade discussões acerca das religiões e religiosidades historicamente estigmatizadas e marginalizadas, o livro traz um compilado de nove artigos que tratam das dinâmicas sociorreligiosas presentes na região do Amazonas.

O primeiro artigo, intitulado O corpo e as religiões, escrito por Leila Marrach Basto de Albuquerque, procura adentrar a questão de proximidade entre corpo e religião. Através de um detalhado percurso histórico, a autora investiga a intimidade entre esses dois componentes, deixando clara a sua afirmação: a experiência religiosa não reside apenas no espírito, mas também no corpo, uma vez que ele sempre se comunica em muitas manifestações do sagrado. O segundo artigo, A re-existência de rede não biomédica de cura e a construção de novas práticas religiosas em Parintins (AM), redigido por Maria Audirene de Souza Cordeiro, aborda, visando ao cuidado da saúde do corpo, um estudo de registro de cura não biomédica, na cidade de Parintins. A pesquisa trata de visibilizar o trabalho de cura realizado por curadores(as), curadores(as) sacacas, benzedores(as), costuradores(as) de carne rasgada, erveiros(as), raizeiros(as), pegadores(as) de desmentidura, parteiras etc.

O terceiro artigo Eticidade e religiosidade: a epifania do “outro”, do autor Raimundo Barradas, propõe realizar uma reflexão sobre a anexação insana e nulificadora da alteridade, marcando o princípio da democracia e da sensibilidade auditiva pelo outro suplicante e exigente. O quarto artigo, Mito, lenda e alteridade: a natureza como legítimo outro na convivência – estudo dos mitos, lendas e práticas dos indígenas residentes em Manaus, de Antonio Enrique Fonseca Romero, também tratando do “outro”, pretende compreender a relação entre o homem e o meio, utilizando a prática cotidiana dos indígenas residentes de Manaus de olharem a natureza como legítima na relação de convivência.

O quinto artigo, As travestis indígenas e a ideologia de gênesis em São Gabriel da Cachoeira, Amazonas, escrito por Eduardo Meinberg de Albuquerque Maranhão Filho, traça considerações que pretendem abordar a diversidade e compreender como as igrejas evangélicas da cidade de São Gabriel da Cachoeira enxergam as pessoas transgêneros – especialmente as travestis. O sexto artigo, Religiões e contra-hegemonia no Médio-Baixo Amazonas: olhar, reconhecer e atuar em prol da diversidade, de Diego Omar da Silveira, objetiva suscitar um conjunto de novas abordagens acadêmico-científicas acerca das religiões e religiosidades na Amazônia, dando destaque às minorias religiosas e às tradições locais.

O sétimo artigo, Aprender com uma planta: educação, epistemologia e saberes na religião do Santo Daime, escrito por Maria Betânia B. Albuquerque, reflete sobre um tipo particular de educação ocorrida a partir do consumo de determinadas plantas tidas como inteligentes, em função de potencializarem experiências de aprendizagens. O oitavo artigo, Democratização e regulação da comunicação: uma análise da presença religiosa nos meios de comunicação de massa, de Helder Ronan de Souza Mourão, busca refletir sobre como a presença religiosa é transmitida na mídia, explicitando a democratização da comunicação e regulação dos meios. O nono e último artigo, Ensino religioso no Amazonas: um processo de descolonização, escrito por Francisco Sales Bastos Palheta, mostra-nos, dentre suas várias vertentes, como são apontadas a presença de silêncios, omissões e sombras no modo como o Ensino Religioso (ER) está concebido e ofertado no estado do Amazonas.

Seguindo esse percurso, fica explícita a cautela dos organizadores quanto à progressão de conteúdo e à escolha de trabalhos. Essa linha temática contínua advinda das produções traz ao leitor uma associação de fatos sustentada por um assunto presente desde o início de nossa civilização: a religião. Tão presente quanto canônica, a doutrina religiosa flexibiliza-se aos mais diversos espaços da sociedade, dentre os quais existe uma predominância secular de determinadas vertentes religiosas, inclusive na região amazônica, com o cristianismo. A obra, no intuito de visibilizar a pluralidade e a expressão religiosa, concretiza, no percurso dos seus nove trabalhos, que discorrem acerca da democratização, educação, saúde, literatura, cultura e filosofia, seu objetivo de proporcionar um novo olhar para as múltiplas expressões religiosas, que abrangem movimentos religiosos não mediúnicos, afro-indígenas ou sobre as novas expressões de religiosidade.

O livro Religiões e lutas contra-hegemônicas na Amazônia traz a todos considerações necessárias sobre os movimentos religiosos não predominantes na região. Versando sobre as discussões regidas pelas dinâmicas sociorreligiosas presentes na Amazônia, os organizadores fortalecem a necessidade de haver o rompimento das políticas de silenciamento das minorias e contribuem para visibilizar a produção das violências e discriminação religiosa presentes na Amazônia. Em razão do que foi visto, as reflexões presentes são recomendadas àqueles interessados nas pesquisas teológicas, aos pesquisadores e ao público em geral.

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