Evelyn Noronha, Doutora em Educação, acertou em cheio ao escrever o livro As crianças perambulantes-trabalhadoras, trabalhadoras-perambulantes nas feiras de Manaus: um olhar a partir da Sociologia da Infância. Sua abordagem metodológica e humana, acerca do trabalho infantil, é algo que traz reflexões sobre a realidade ao nosso redor.
Sua obra, de forma geral, aborda uma série de perguntas: O trabalho infantil é uma patologia, ou seja, algo doentio para a sociedade e que deve ser erradicado a todo custo? É uma necessidade perversa da sociedade ou é a exploração dos recursos humanos através da participação de crianças no mercado de trabalho, para que o sistema econômico capitalista funcione de maneira eficaz?
A partir do olhar traçado pelo amparo disciplinar da Sociologia da Infância, a autora percorre os locais de Manaus onde são mais evidentes a exploração cotidiana de crianças. Com base nisso, ela chega a um entendimento de que as crianças e os jovens envolvidos nesses tipos de exploração não apenas executam tarefas de trabalho, mas também atribuem como forma de escapismo significados e desenvolvem vivências pessoais em torno disso. Portanto, a autora aponta que essa cultura da exploração vai além de casos isolados, pois envolve normas sociais e valores compartilhados afirmados pela classe dominante.
O primeiro capítulo, de forma geral, descreve os espaços em que ocorreram as coletas de dados da pesquisa, sendo a maior parte da observação feita na Feira Manaus Moderna, onde, conforme a pesquisadora, as crianças e os adolescentes enfrentam problemas que vão além da exploração de sua mão de obra, tais quais: pedofilia, prostituição, uso de drogas e abandono parental. O restante do capítulo busca compreender, por meio de uma investigação, a construção da imagem da criança trabalhadora e como elas interagem no espaço que é destinado aos adultos. Com isso, a autora afirma que apesar de estarem inseridas em um contexto em que são exploradas continuamente, as crianças procuram nesses espaços uma maneira de se divertirem.
Continuando, Evelyn Noronha descreve a feira como um lugar dos despossuídos, isto é, de pessoas que possuem seus direitos humanos sonegados total ou parcialmente. O capítulo, por fim, ressalta o quão importante é saber como essas crianças marginalizadas socialmente pensam e se percebem no mundo, e aponta a importância de olhá-las a partir de suas vivências e contextos de influências.
No segundo capítulo, o livro discute a construção da infância na História, abrangendo desde uma época em que “a infância era apenas uma fase sem importância […]” (ARIÉS, 1981, p. 21 apud NORONHA, 2021, p. 47), com as crianças sendo vistas como frágeis e insignificantes, no século XVII, até um período em que os “adultos e crianças aprendiam juntos […]” (NORONHA, 2021, p. 47), no século XIX. Após isso, seu percurso histórico continua abordando agora a fase das crianças no Brasil. Por fim, o capítulo discorre a respeito da infância moderna sob diferentes autores e abordagens: na psicologia do desenvolvimento Jean Piaget, em sua teoria, explica como o indivíduo, desde o nascimento, constrói o conhecimento; na antropologia, afirma-se que não há visão sem preconceito; na sociologia, temos a concepção de vários sociólogos: Durkheim através do conceito da socialização, compreendendo que a criança deveria ser socializada pelos adultos; para Max Weber, a educação da criança deve ser para prepará-la para exercer as funções que a transformação causada pela socialização da vida lhes colocou, visto que a racionalização e a burocratização alteram o modo de educar.
Evelyn Noronha aponta que a criança é considerada muitas vezes como despesa para os adultos responsáveis, então o trabalho vem para educá-la e discipliná-la para o futuro. Nesse sentido, a autora salienta que a exploração da mão de obra infantil passa a ser percebida como natural, pois, desta maneira, essa atividade assume um papel moralizante na vida da criança, associando tal prática diretamente à honestidade. Portanto, segundo Noronha, saber disso é muito importante pois ajuda a compreender a lógica nefasta da nossa sociedade e as relações com as piores formas de trabalho infantil, permitindo, através de análises, avaliar o seu impacto em relação aos direitos das crianças.
O terceiro capítulo faz uma análise do trabalho de crianças que perambulam em troca de sustento nas feiras de Manaus. E, já que é importante entender a situação do ambiente e das pessoas, a pesquisa da autora foi feita de forma quantitativa e qualitativa, pois tinha como motivação entender as feiras, o que os feirantes pensam sobre o trabalho infantil e o que os Conselheiros Tutelares pensam a respeito dos direitos das crianças nesse contexto. A conclusão apresentada pela autora é a de que as crianças demonstraram uma grande capacidade para refletirem sobre questões sociais e, por acabarem crescendo nesse ambiente, ela aponta que muitos feirantes entendem que o trabalho das crianças, como já comentado anteriormente, não é uma exploração, mas algo normal.
O quarto capítulo aborda exclusivamente os direitos das crianças, apresentando órgãos como a OIT (Organização Internacional do Trabalho), que considera que desde que os trabalhos em que as crianças participem não atrapalhem a sua saúde, o seu desenvolvimento pessoal e não interfira nos seus estudos, é, em geral, considerado positivo. Em contraste a essa ideia, a autora aponta que o trabalho infantil, tendo em vista sua pesquisa, é aquele que priva as crianças de sua infância, que atrapalha o seu potencial de desenvolvimento e sua dignidade, além de, claro, ser prejudicial à saúde física e mental.
Por fim, o quinto capítulo conclui que as crianças são exploradas não somente nas feiras de Manaus, mas também por outros contextos sociais, pois, são, de forma geral, de uma classe marginalizada socialmente. Nessas feiras, conforme a pesquisadora, as crianças não possuem opção de escolha entre trabalhar ou não, pois entendem que seus trabalhos são necessários para a contribuição no orçamento familiar. A autora expõe que algumas crianças se mostram indignadas com a exploração, pois sabem que deveriam estar estudando, brincando e se divertindo, mas estão trabalhando. Então, só lhes restam submeter as suas esperanças ao futuro, já que o presente é de trabalho árduo. Em linhas gerais, conclui-se que apenas pelo fato de as crianças conseguirem forças para sonhar, comprova-se que elas são mais fortes do que muitos adultos jamais serão a sua vida inteira.
Evelyn Noronha acredita que é crucial repensar como vamos abordar todos esses problemas. Além disso, frisa o quanto é importante envolver e mobilizar as próprias crianças na proteção de seus direitos por meio de projetos de conscientização e educação, pois as crianças devem se divertir, brincar e, principalmente, ser livres.
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