O Boi-Bumbá como patrimônio vivo: identidade, arte e resistência em Parintins

Resenhado por Anna Lemos e Renata Baltazar

Embalados pelo espírito festivo dos meses de junho e julho, nós da Editora UEA selecionamos o livro “Os Bois-Bumbás de Parintins: novos olhares”, organizado por Diego Omar, Elizandra Garcia e Ericky Nakanome, como o Livro do Mês de julho. A obra integra a coleção Bumbás de Parintins: nosso patrimônio e é dividida em vinte capítulos e duas seções sobre os organizadores e sobre os autores. Lançada em 2022, reúne trabalhos de diversos pesquisadores sobre os bois-bumbás Caprichoso e Garantido, trazendo uma proposta de atualizar o debate acadêmico sobre os bois.

O livro inicia com um capítulo introdutório intitulado “Novos olhares, muitas perspectivas…”, em que os organizadores discorrem sobre o objetivo da obra em transmitir “novos olhares” sobre os Bois de Parintins; destacam como o Festival começa a ganhar reconhecimento nacional e internacional a partir dos anos 90, enfatizando, assim, mudanças que ocorreram desde então. Uma delas sendo o reconhecimento do Complexo Cultural do Boi-Bumbá no Médio Amazonas e Parintins como Patrimônio Cultural Brasileiro, em 2018, incluindo os bois Garantido e Caprichoso como bem imaterial.

No capítulo seguinte, temos a pesquisa de Wilson Nogueira, intitulada “Boi-Bumbá de Parintins: janela para compreensão da relação mercado e culturas na Amazônia”, em que o autor explora a perspectiva conceitual da manifestação cultural/popular do Boi-Bumbá de Parintins. Buscando as origens da festa e a relação entre bois e humanos no Brasil, o autor explicita como a dança do auto do boi é única e exclusiva do nosso país, sendo uma dança de terreiro com origens nas classes populares (Andrade, 1982 apud Nogueira, 2022). O autor aborda, ainda, sobre o potencial estético do espetáculo, afirmando que ele se desenvolveu de modo singular, comparado com a versão anterior à do Festival e com os desfiles de Carnaval, pois nas apresentações de Boi-Bumbá de Parintins “é circular e os espectadores são, também, brincantes que contribuem com a vitória ou derrota do seu boi-bumbá” (Nogueira, 2022, p. 15). Além de destacar o transbordamento do Festival para outros setores da vida social e regional, servindo de fundamentação para trabalhos acadêmicos.

Adiante, temos a pesquisa de Andreas Valentin, com o nome “Revisitando os contrários”. O autor explora a rivalidade entre os bois, ressaltando a importância que um tem para o outro. O fotógrafo compartilha sua afetiva história com o Festival de Parintins e com a ilha; relembra, ainda, suas obras em parcerias com ambos os bois nos anos de 1997 e 1998, exaltando a festa, a cultura e o povo parintinense. No capítulo seguinte, intitulado “‘Minorizar’ o boi ou reconhecê-lo como brinquedo popular? Escrevivências, história de vida e reflexões de um torcedor”, o autor Adan Renê Pereira da Silva aborda sobre as representações e representatividades do boi no tocante ao folclore brasileiro, suas raízes afro e o seu “dom” de falar para todas as culturas (Silva, 2022, p. 57).

No capítulo “Rede colaborativa dos compositores do Boi Caprichoso: o enredo que balança Parintins”, escrito por Danielly Oliveira Inomata e Tiago da Silva Jacaína, os autores trazem uma análise de toadas do Boi Caprichoso, apresentando relações que as formam desde a tecedura inicial da composição das letras, buscando compreendê-las a partir das representações sociais e/ou narrativas contidas nas letras. Eles partem de uma análise documental, montando um vocabulário controlado de termos utilizados nas toadas. No capítulo seguinte, redigido por Adriano Pinto Marinho e Allan Soljenítsin Barreto Rodrigues, com o nome “A representação do indígena Sateré-Mawé nas toadas de Boi-Bumbá de Parintins”, os autores trazem um panorama das representações do indígena Sateré-Mawé nas letras das toadas que embalam o Festival, com o objetivo de contribuir oferecendo bases teóricas para o resgate do protagonismo dos indígenas, além de produzir conhecimento heterogêneo, pesquisar raízes históricas e promover a desconstrução de uma imagem preconcebida dos indígenas na atualidade.

Em seguida, David Wilson Pires Dagnaisser apresenta sua pesquisa, intitulada “O processo de legitimação dos Bois-Bumbás Garantido e Caprichoso”, em que debruça sobre como se deu o surgimento do Festival de Parintins, o início da participação dos bois Garantido e Caprichoso e, principalmente, seu processo de legitimação dentro da cultura popular. O autor explica que para algo ser legítimo, este deve ser reconhecido, ou seja, considerado normal e/ou necessário. No capítulo seguinte, Yasmin Ribeiro Gatto e Murilo César Soares dissertam sobre as representações jornalísticas da mulher no Festival de Parintins. Intitulado “Imprensa e gênero na Amazônia: representações da mulher no Festival Folclórico de Parintins”, o capítulo expõe como são retratadas as mulheres que participam do Festival, através de análise minuciosa dos jornais A Crítica e Amazonas Em Tempo. Os autores utilizam-se de uma análise de enquadramento, entendendo que ela é capaz de fornecer os resultados que colocam em evidência os vieses implícitos nos periódicos.

No capítulo seguinte, João Gustavo Martins Melo de Sousa apresenta sua pesquisa “Alegorista: estetizando imaginários”. O autor faz um paralelo entre os artistas parintinenses e os artistas carnavalescos, destacando a constituição do alegorista como agente do fazer espetacular (Sousa, 2022, p. 117). Ele explicita que o alegorista, seja na arena dos bumbás ou nas avenidas carnavalescas, “modela a criação, soprando-lhe nas narinas o fôlego da vida a ser consumida na existência efêmera do ciclo bovino e carnavalesco” (p. 127). Já no artigo “Brincadeira de Boi-Bumbá nas escolas municipais de Parintins: possibilidades para o trabalho pedagógico”, escrito por Elizandra Garcia da Silva, Elma Lima Viana e Arminda Rachel Botelho Mourão, é discutido a utilização da brincadeira de boi-bumbá nas escolas municipais de Parintins a partir de um projeto de extensão, realizado em 2016. Analisam, ainda, a forma como são realizadas e sua frequência.

No estudo “Artista de ponta, uma categoria nativa do boi-bumbá de Parintins”, escrito por Socorro de Souza Batalha e Alvatir Carolino da Silva, é destacado o papel central dos artistas de ponta na criação das alegorias dos bois Garantido e Caprichoso. Esses artistas são responsáveis pela concepção visual do espetáculo, trabalhando em equipes que reúnem diferentes habilidades, como escultura, pintura e engenharia. O texto também discute a precarização do trabalho artístico nos galpões, apontando a ausência de garantias trabalhistas para muitos profissionais e a necessidade de valorização institucional de suas contribuições.

O artigo “Pai Francisco e Mãe Catirina: personagens do não-espetáculo no espetáculo dos Bois-Bumbás de Parintins”, de Ericky da Silva Nakanome e Márcio Braz dos Santos Santana, analisa como esses personagens negros permanecem à margem do protagonismo das apresentações. Mesmo não sendo itens de julgamento, Pai Francisco e Mãe Catirina representam uma herança cultural significativa, evocando elementos da cultura afro-brasileira que influenciaram a formação do boi-bumbá. Já em “Processos criativos do núcleo de coreografia do Boi-Bumbá Caprichoso (2018/2019)”, Irian Butel investiga o surgimento da coreografia como item de julgamento e sua evolução enquanto expressão cultural, destacando o papel da pesquisa e da prática nesse processo criativo.

Na sequência, o texto “Parintins virou Congá! Representações afrorreligiosas no som dos Bois-Bumbás de Parintins”, de Caroline dos Santos Bruce e Diego Omar Silveira, aborda as expressões afrorreligiosas nas toadas, analisando como essas referências ainda são, em parte, invisibilizadas, apesar de sua importância na construção da identidade cultural local. Em “Construção coreográfica das tribos do Festival Folclórico de Parintins: aspectos históricos e inspirações”, Lionela da Silva Correa e Evandro Jorge Souza Ribeiro Cabo Verde traçam um panorama histórico das coreografias e refletem sobre a necessidade de equilibrar tradição e modernidade.

Ricardo José Barbieri, em sua pesquisa “Da toada de Boi-Bumbá ao Samba de Enredo”, aproxima o Festival de Parintins do Carnaval de Manaus, identificando semelhanças nos espaços de apresentação e no uso de elementos regionais. A pesquisa também enfatiza o papel das “galeras” como redes de sociabilidade que extrapolam os limites da cidade. No estudo seguinte “O trabalho significativo do artista de galpão no espetáculo do Boi-Bumbá de Parintins”, Rafaela Gonçalves Freitas e Luana Sodré da Silva Santos analisam o trabalho dos artistas de galpão no Festival Folclórico de Parintins, com foco na equipe do Boi-Bumbá Caprichoso. A pesquisa, de abordagem qualitativa, baseou-se em entrevistas com cinco profissionais com o objetivo de compreender suas percepções sobre o trabalho no processo de criação das alegorias. 

No artigo “Processo criativo dos compositores de toadas do boi-bumbá de Parintins”, Maria Celeste de Souza Cardoso investiga o processo criativo de quatro compositores, ressaltando a influência da intuição, das experiências individuais e da crítica genética como ferramentas de análise. O estudo mostra como as toadas são marcadas por elementos regionais e preocupações com a recepção do público, além de destacar mudanças no estilo musical impulsionadas pela mídia e pelos produtores do festival.

Em “A teatralidade no olhar dos brincantes em relação ao espaço cênico do bumbódromo”, de Fabiano Baraúna, reflete sobre o uso do espaço da arena a partir das experiências de artistas do Boi Caprichoso. A pesquisa, realizada por meio de entrevistas, aponta desafios como a falta de ensaios no espaço real, interferências visuais e limitações estruturais. A arena é entendida como um palco tridimensional de encontros entre brincantes, alegorias e público, sendo um elemento essencial na construção dramatúrgica das apresentações. 

Por fim, em “Boi-Bumbá de Parintins: uma história de protagonismo e resistência negra”, Deilson do Carmo Trindade revisita as origens do festival e evidencia a participação histórica da população negra, especialmente por meio da figura de Filomena de Souza. O texto também explora como a musicalidade, o sincretismo religioso e os relatos históricos ajudam a compreender o boi-bumbá como uma manifestação de resistência cultural e espiritual que ainda marca profundamente a vida da população parintinense.

O livro “Os Bois-Bumbás de Parintins: novos olhares” oferece uma visão abrangente e plural do Festival Folclórico de Parintins, reunindo estudos que exploram desde as origens dos bois Caprichoso e Garantido até os bastidores da criação e os debates sobre identidade, memória popular, religiosidade e resistência. Ao dar voz a diferentes sujeitos envolvidos — brincantes, compositores, artistas de galpão, coreógrafos e pesquisadores —, a obra evidencia a complexidade e a riqueza simbólica desse patrimônio cultural, reafirmando a importância de enxergar o boi-bumbá como uma manifestação viva, coletiva e em constante transformação.

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