No mês de outubro, a Editora UEA seleciona como indicação do mês a obra Pensar, fazer e ensinar: desafios para o ofício do historiador no Amazonas, organizada por Arcângelo da Silva Ferreira et al. Publicado em 2015, o livro reúne uma seleção de trabalhos apresentados na VII Semana de História do Cesp/UEA, ocorrida em 2014. Os temas trazidos pelos dezenove autores dos artigos propõem pensar nas coletividades e individualidades de povos; compreender suas formas de pensar, a política e ética que os orientam, seu modo de se relacionar, cultura, economia e religião. Em suma, trata-se de um conjunto do trabalho historiográfico de pesquisadores que objetivaram recuperar a singularidade de diferentes épocas da História da Amazônia, sendo dividido em: notas dos autores, prefácio, seções dos artigos e currículo dos autores.
O primeiro artigo, Apontamentos metodológicos em História Oral, escrito por Marcos Montysuma, introduz a metodologia da História Oral neste livro. No meio científico, a oralidade era vista como uma história menor pelos historiadores que utilizavam fontes manuscritas. A escolha do tema implica em exercer a parcialidade por parte do pesquisador, visto que não existe pesquisador neutro. Por fim, o autor apresenta uma breve discussão sobre a oralidade, fazendo um levantamento sobre as suas peculiaridades, tendo em vista o amplo campo de pesquisa desse tema.
No artigo A expectativa da cidade de quem vem do interior, (…) era uma coisa maravilhosa: vivências de interioranos na Manaus da Zona Franca, por Patrícia Rodrigues da Silva, são apresentados os resultados de uma pesquisa que busca refletir a constituição das relações sociais em Manaus a partir dos anos de 1970. Silva realiza uma reflexão acerca dos sentidos e conflitos vivenciados por ribeirinhos que migraram para Manaus nos anos iniciais da implementação da Zona Franca de Manaus, com o apoio do relato da entrevistada Deusdélia Bezerra das Chagas, conhecida como Deusa. Diante disso, o artigo reflete sobre temas diversos, tais como desemprego, subemprego, perspectivas para o futuro, relações sociais e de trabalho, bem como o olhar desses trabalhadores sobre a cidade.
Em seguida, o artigo “Tudo era puxirum, era aquela alegria… era mulher, era homem que ia roçar”: a cultura do puxirum em comunidades rurais de vila amazônica – Parintins (AM), produzido por Mônica Xavier de Medeiros, revela a importância dos trabalhadores em Parintins para as mudanças ocorridas nas comunidades rurais em Vila Amazônia. O diálogo com moradores dessas localidades trouxe a dimensão da vida comandando essas águas de rios e igarapés, que constituem fontes de alimentação, estradas de água e dimensão cultural à vivência desses sujeitos sociais, por meio do trabalho coletivo (puxirum). Dessa maneira, a pesquisadora faz um questionamento sobre quem iria cuidar do lago na atualidade e enfrentar os valores que vão se constituindo em transformar as terras em mercadorias e a inferiorização dos saberes de longínquas tradições orais.
A dissertação “E agora nós somos assentados”: cotidianos e luta dos trabalhadores do assentamento rural de Vila Amazônia, por Ananias Carvalho da Silva Neto, aborda sobre a Reforma Agrária na Amazônia, para percebemos como os sujeitos sociais que historicamente habitam essa região significam nesse processo, analisando suas práticas como força motriz do processo de transformação das comunidades e implantação do assentamento Rural de Vila Amazônia. Vale salientar a importância de perceber que, em muitas comunidades, os moradores não vivem em relações tipicamente capitalistas, embora exerçam relação de posse de terra, caça e pesca para conseguir alimentos. Pode-se concluir que a relação de trabalho dos moradores de Vila Amazônia era essencialmente o puxirum.
Em Quilombolas de Oriximiná: “eles montavam um Brasil do jeito deles, que eu costumo chamar de Amazônia Negra”, são apresentados relatos de remanescentes de quilombos no município de Oriximiná, nas extremidades do rio Trombetas, oeste do Pará. Escrito por Elaine Cristina Oliveira F. Archanjo, a formação dos quilombos surgiu devido ao processo de fuga dos povos escravizados em direção ao rio Trombetas. Das narrativas dos atuais moradores dos quilombos do Trombetas, sobressaem as habilidades referidas e suas funções destacadas, quando aqueles que possuíam o olfato e a audição aguçados eram como sentinelas, estando sempre atentos a qualquer sinal de perigo.
O trabalho seguinte possui o tema Memória de lutas nas narrativas de mulheres quilombolas de Matupiri: possibilidades de pensar, fazer, ensinar a história no Baixo Amazonas. Desenvolvido por João Marinho da Rocha e Julio Claudio da Silva, esse texto faz um diálogo produtivo com as oralidades amazônicas presentes nas memórias orais de Mulheres da Federação Quilombola do Matupiri, em Barreirinha, no Amazonas. Para essa pesquisa, Rocha e Silva realizaram gravação em áudio ou vídeo e a transcrição das entrevistas, analisando a documentação oral produzida. As narrativas dessas mulheres indicam uma memória de luta para assegurar direitos, lutas essas travadas em outras partes do país desde 1988-1989.
O texto As mulheres na Cabanagem e no espaço urbano – Província do Pará em meados do século XIX, por Eliana Ramos Ferreira, tem como objetivo investigar as práticas políticas das mulheres nesse período da história da Amazônia. A autora aponta que a figura da mulher continuava oculta, no que tange ao estudo da Cabanagem, visto que a escrita masculina da história silenciou a das mulheres e segregou-as da esfera política, gerando um apagamento sobre a sua história na Amazônia. O estudo evidencia as tensões e diferenciações sociais, tanto nos espaços destinados às moradias quanto no mercado de trabalho e funções das pessoas na sociedade.
O ser mulher em um meio de poder masculino: foco de um (re)corte de gênero na música brega discute sobre o que é ser mulher na sociedade contemporânea. Escrito por Noélio Martins Costa, a pesquisa visou ampliar a discussão sobre os espaços masculinos e femininos ao longo do desenvolvimento da sociedade, por meio da análise de músicas do gênero brega. Costa discute não apenas a independência feminina como também a identidade dessas mulheres, analisando as rupturas e permanências dos papéis femininos.
A pesquisa Lampejos do processo histórico de ocupação da ilha de Parintins: índios, viajantes, religiosos e imigrantes, por Deilson do Carmo Trindade, revela a função social da Igreja em Parintins, moldando a dinâmica da política representativa. O autor se debruça sobre os vestígios arqueológicos do Baixo Amazonas, evidenciando que a ocupação dos povos indígenas na região precedeu a chegada dos europeus. Contudo, a busca pela evangelização transformou a igreja em uma instituição poderosa, exercendo a influência sobre os povos indígenas e imigrantes. O texto também discute a expulsão dos jesuítas durante a era pombalina e os desdobramentos dessa ação. Esses lampejos iluminam fragmentos da história local que entrelaçam o processo de ocupação da Ilha Tupinambarana.
O artigo produzido por Arcângelo da Silva Ferreira e Patrícia de Souza Oliveira, Mito, memória e história: nos caminhos de Órfãos do Eldorado, pretendeu utilizar a novela de Milton Hatoum como um recurso para se pensar a História da Amazônia no período referente ao Ciclo da Borracha. Sabe-se que os rios são referências significativas no cotidiano dos grupos humanos viventes na região Amazônica, portanto, Ferreira e Oliveira afirmam que o leitor verá que o escritor amazonense é um crítico do processo de modernização trazido pelos projetos europeus. Desse modo, os autores acreditam que a Amazônia precisa ser conhecida na sua alteridade, assim como Milton Hatoum demonstra em sua obra.
Demografia, cartografia e história das religiões em Parintins: novas possibilidades para o estudo da diversidade religiosa na Amazônia, por Clarice Bianchezzi e Diego Omar da Silveira, apresenta um estudo de catalogação dos templos, grupos e movimentos religiosos em Parintins. Com o crescimento da cidade, a diversidade religiosa se expandiu, sendo essencial observar esse fato para conhecer o processo de formação da Ilha Tupinambarana. Visualizar essa diversidade significa apontar para uma reescrita da história das religiões tanto de Parintins quanto do médio-baixo Amazonas, já que a própria memória dessa região está alicerçada sobre o papel da religião durante a colonização.
O estudo A experiência da pesquisa histórica sobre ensino de História no Amazonas: teorias e métodos, por Tarcísio Serpa Normando, analisa a pertinência de se aprender História em uma época de desvalorização dessa disciplina no sistema educacional. Normando salienta a necessidade de os pesquisadores produzirem conhecimentos históricos que lembrem aquilo que a sociedade quer esquecer, como a História da Educação. Além disso, as narrativas de professores e alunos recuperadas por meio da História Oral compõem um conjunto documental interessante para o pesquisador da área educacional, com isso, o texto finaliza ressaltando a importância de enfrentar os desafios de se pesquisar a História ensinada no Amazonas.
Na pesquisa Ensino de história nos anos iniciais do Ensino Fundamental: possibilidades de diálogos para a construção do conhecimento histórico, a autora Mary Tânia dos Santos Carvalho propõe propostas pedagógicas para aprimorar o processo de ensino-aprendizagem em sala de aula. É sugerido que o educador desenvolva as aulas de História integrando o conteúdo programático estabelecido pelas redes de ensino aos conteúdos relacionados ao cotidiano dos alunos, como forma de aproximá-los dos estudos dessa disciplina. Desse modo, a relação aluno-professor torna-se mais harmônica, visto que os estudantes terão visibilidade quanto às suas vivências.
Vivência de mulheres nordestinas na Parintins das décadas de 1950 a 1970, por Patrícia Regina de Lima Silva, coloca a mulher como sujeito protagonista, ressaltando as suas vivências em Parintins, por meio das narrativas orais de quatro mulheres. O foco do artigo é abordar sobre a ocupação das migrantes nordestinas na Av. João Melo, na estrutura da cidade e interação social. Conclui-se que essas mulheres não só perceberam as modificações que aconteciam durante suas vivências, como também contribuíram com essas mudanças no comércio, à medida em que estavam a serviço da dinâmica econômica e social da cidade.
Ademais, o próximo artigo possui uma temática semelhante à trazida por Silva. Em Quando memórias suscitam histórias: vivências e experiências de mulheres no bairro Dejard Vieira, cidade de Parintins (1980-1990), os autores Dayanna Batista Apolônio e Arcângelo da Silva Ferreira afirmam o valor da memória individual para reconstrução da história. Os depoimentos das moradoras mostram as possibilidades que essas mulheres encontraram no espaço vivido, para que pudessem alcançar suas necessidades, trazendo uma história compromissada em entrelaçar-se no tempo vivido do sujeito social e histórico carregado de experiências.
A seção de artigos encerra com a pesquisa de Atila Sousa Sombra, “Bendita a formação que percebemos”: catolicismo e memória institucional do Colégio Nossa Senhora do Carmo (Parintins-AM). Sombra visa dar outro olhar para a trajetória dessa instituição educacional Católica de Parintins, com o apoio de fontes orais de pessoas que estudaram ou trabalharam na escola e de fontes preservadas nos próprios arquivos do local, preservando a memória do Colégio. Diante desse pequeno histórico e relatos sobre o Colégio Nossa Senhora do Carmo, a autora ressalta que ainda há um longo caminho a percorrer nos estudos de História da Educação, não apenas em Parintins, mas em todo o médio-baixo Amazonas.
As pesquisas apresentadas em Pensar, fazer e ensinar: desafios para o ofício do historiador no Amazonas buscaram evidenciar a diversidade de existir, viver e refletir a história. A capa do livro apresenta um casarão que retrata parte da história local do baixo Amazonas, gerando uma reflexão sobre os inúmeros espaços estudados pelos dezenove pesquisadores dessa produção coletiva. Esperamos que a leitura dessa obra possa ampliar as formas de visualizar a História, como as fontes orais utilizadas nos artigos, demonstrando a importância de documentar a memória do povo amazônico.
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