Até o fim do Arco-Íris: uma análise sobre os caminhos percorridos pela escrita de Cíntia Moscovich

Em celebração ao mês das mulheres, a Editora UEA seleciona um de seus títulos de autoria feminina como recomendação de leitura: Memória, Influência e Superação na Prosa de Cíntia Moscovich, da professora Elaine Andreatta. O um livro guia seus leitores por um fascinante passeio pelo universo narrativo de Moscovich, destacando como os caminhos da Memória, da Influência e da Superação permeiam sua escrita.

    Andreatta examina a maneira que Moscovich utiliza a memória como uma ferramenta narrativa poderosa, revelando a complexidade das relações humanas, dos dilemas existenciais e das questões identitárias relativas à sua origem. Além disso, a autora utiliza o pensamento de Harold Bloom sobre a “angústia da influência” para analisar as inspirações literárias e culturais que formam o trabalho de Moscovich, mostrando como ela dialoga com diversos outros autores, tais quais, Borges, Kafka, Moacyr Scliar, Inês Pedrosa e, despretensiosamente, Clarice Lispector. Em matéria de superação, a escritora explora a caminhada literária da escritora rumo à originalidade de sua escrita, não fugindo de suas influências literárias, mas utilizando-as como guias. 

      E, através de uma análise cuidadosa e aguçada, Elaine Andreatta oferece aos leitores uma compreensão profunda e significativa da obra de uma das escritoras mais talentosas e intrigantes do panorama literário brasileiro contemporâneo.

        No capítulo 1, uma das observações centrais é a forma como Moscovich apresenta uma nova perspectiva sobre a memória, transcendendo as fronteiras culturais e abraçando novas experiências culturais sem renegar suas raízes.

          Ao contrário de escritores judeus anteriores, cuja preocupação era explorar as complexidades das identidades híbridas e resgatar narrativas específicas ligadas à diáspora judaica, Moscovich renova a tradição ao reforçar a experiência de uma nova cultura sem perder a conexão com a anterior. Nesse sentido, sua escrita representa uma ampliação na compreensão do fenômeno migratório na literatura brasileira contemporânea. 

            Um aspecto fundamental abordado é como os escritores brasileiros de ascendência judaica lidam com o sentido de identidade, o que é crucial para a análise dos componentes do judaísmo na prosa de Moscovich. A autora não apenas revive, mas supera outros escritores, criando uma literatura inovadora que ressoa no cenário contemporâneo da literatura brasileira.

              No capítulo seguinte, ao analisar o conto Aquilo que não principia nem acaba, Andreatta apresenta o diálogo de Moscovich com dois outros textos: um sobre o universo da tradição judaica e um sobre o universo borgeano, pois, de acordo com a professora, a literatura é um espaço de criação no qual se depositam universos já criados e que fazem parte da memória do escritor, que mobiliza os arquivos de sua memória.

                É nesse capítulo também que se evidencia a influência de Clarice Lispector sobre Cíntia Moscovich e se conclui que a autora analisada necessita superar essa influência para que possa caminhar rumo à originalidade de sua escrita, a fim de fugir do estigma do “poeta-pai”. Para chegar a tal conclusão, a autora divide sua análise em três temáticas: família, purificação alimentar e presença animal. 

                  Através da análise de O Telhado e o Violinista, conto que abre o livro Arquitetura do Arco-Íris, de 2004, em que uma menina narra um conflito com sua vizinha, podemos perceber a temática da tradição familiar judaica, porém, ao invés de perpetuar os mesmos costumes e pensamentos, a narradora mostra uma forma nova de enfrentar essa tradição, “ela vive a cultura judaica, mas não a perpetua de forma dolorosa ao negar alguns conhecimentos à filha no final da narrativa” (Andreatta, 2016, p. 62).

                    Quanto à purificação alimentar, o texto traz como representação dessa temática a figura da galinha, um dos animais permitidos para a alimentação dos judeus, figura essa também utilizada para representar a presença animal no texto e evidenciar a influência de Clarice Lispector sobre os textos de Moscovich, pois ambas utilizam o mesmo animal para atribuir simbolismos a ele. 

                      Uma das observações mais interessantes é a maneira como ambas as escritoras atribuem uma aura sagrada à maternidade, representada pela figura da galinha que poupa sua vida ao pôr um ovo, tanto em O Telhado e o Violinista de Moscovich, quanto em Uma Galinha, de Lispector. Essa interpretação revela uma leitura sensível das obras, destacando não apenas a semelhança temática, mas também a profundidade teórica desses elementos.

                        Além disso, Andreatta também analisa o papel da identidade judaica na escrita de Lispector, apesar de sua “não declaração” explícita, e como essa influência se manifesta de maneira diferente na obra de Moscovich. No universo complexo da literatura contemporânea, a busca pela identidade autoral é um tema recorrente que desafia tanto os escritores quanto os críticos. No capítulo 3, mergulhamos nas profundezas desse tema ao explorar a análise cuidadosa sobre a obra de Cíntia Moscovich.

                          Através de um raciocínio bem elaborado, Andreatta destaca a complicada relação entre a obra de um escritor e suas influências, sejam elas do passado literário ou do contexto contemporâneo. E é nesse cenário que Moscovich emerge como uma figura emblemática, enfrentando as angústias inerentes à criação artística e buscando afirmar sua voz única em meio à vasta paisagem literária. 

                            A autora não somente nos faz refletir sobre a importância do cânone literário na construção da identidade do autor, mas também nos desafia a considerar a resistência como um ato ético e estético e, em se tratando de Moscovich, ela não apenas resistiu às convenções estabelecidas, como também renovou o meio literário ao introduzir-se como uma escritora única em seu próprio gênero, capaz de produzir obras que ecoam tanto a tradição quanto a originalidade.

                              Em última análise, o terceiro capítulo oferece uma visão aguçada sobre as complexidades da identidade literária na era atual, lembrando-nos da importância crucial do autor na interpretação e na construção de sua própria obra. Para os entusiastas da literatura contemporânea, esta é uma leitura que certamente provocará uma reflexão profunda e instigante.

                                Elaine Andreatta finaliza a obra atribuindo diversas características não somente à escrita de Cíntia Moscovich, mas também à própria autora “inventora e contadora de histórias”, porque suas lembranças da tradição judaica são tão autênticas que não se pode simplesmente compará-las ao real.

                                  Além disso, utilizando-se da divisão estabelecida pelo professor Rinaldo de Fernandes, Elaine explica a genialidade por trás dos contos de Moscovich e posiciona sua obra entre as vertentes dois e cinco “em que família, trabalho e tradição reescrevem-se em um espaço contemporâneo através da consciência da produção da ficção, do ato de narrar, em instâncias de criação claras” (Andreatta, p. 132, 2016).

                                    Quanto a questão da Superação da Influência de Lispector sobre Moscovich, através do seguinte raciocínio conseguimos entender que, se para Clarice não há leitores, mas apenas vítimas, então Cíntia enquanto leitora de Lispector, ao desfazer-se de tal condição, conquista um lugar entre os grandes nomes da literatura contemporânea brasileira superando a influência lispectoriana sobre sua escrita ao encontrar sua própria e original forma de escrever. Entretanto, ao mesmo tempo, Andreatta ressalta a dificuldade de traçar uma linha clara entre o inventado e o rememorado na prosa de Moscovich, evidenciando a complexidade de sua narrativa, além de caracterizar a forma como a escritora trata de temas que vão desde questões familiares e relacionamentos até sociais e identitários, como sensível e esteticamente apurada.

                                      Nos comentários finais também são levantadas questões sobre o mercado editorial e os desafios enfrentados por escritores contemporâneos como Moscovich. Sendo destacada a resistência da escritora em se conformar com as demandas comerciais do mercado, optando por uma escrita autêntica e significativa, mesmo que isso signifique não ser amplamente reconhecida pelo público.

                                        Em suma, Memória, Influência e Superação na prosa de Cíntia Moscovich é uma leitura essencial para todos aqueles não somente interessados na obra da escritora, mas nas complexidades da criação literária contemporânea no Brasil. Elaine Andreatta oferece uma análise aguçada e esclarecedora ao iluminar os vastos aspectos da prosa de Moscovich e destacar sua importância no cenário brasileiro atual.

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