A Editora UEA, como forma de prestigiar diversas autoras em suas redes sociais neste mês de celebração ao Dia Internacional da Mulher (8), entrevistou a Profa. Dra. Elaine Andreatta, autora do livro “Memória, influência e superação na prosa de Cíntia Moscovich”. A obra, que é livro do mês na página da Editora UEA, analisa a prosa intimista de Cíntia Moscovich e observa a expressão dos componentes judaicos e a reflexão sobre a angústia identitária na literatura contemporânea no Brasil. Nessa conversa com a autora, foram abordadas as perspectivas da autoria feminina, a ideia de investigação da autora e a importância de valorizar o espaço feminino na literatura brasileira. Vem conferir!
- Como surgiu a ideia de investigar o trabalho de Cíntia Moscovich?
Sempre fui uma leitora de Clarice Lispector e apaixonada pela sua escrita lancinante e propulsora de indagações diante do mundo. Na graduação em Letras, estudei Cíntia Moscovich e sua prosa iniciante, mas a reencontrei apenas no ano de 2011, com mais obras publicadas, quando comecei a elaborar um projeto de dissertação para o Programa de Pós-graduação em Letras – Estudos Literários, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Eu buscava estudar literatura contemporânea de autoria feminina, percebendo o crescimento desses estudos nos últimos anos e querendo contribuir com a visibilização de mais autoras. Na experiência de leitura do seu texto, em especial o livro de contos Arquitetura do arco-íris (2004), ficaram marcados os diálogos existentes na produção de Moscovich, além da multiplicidade de temas problematizados a partir de personagens mulheres. Em seu texto, a memória não é aquela apenas vivenciada na experiência cotidiana, mas a memória das leituras que carrega, que a influenciam, entrecruzam, criando um jogo poético de imagens, símbolos e analogias. Nesse processo, Clarice Lispector é uma voz recorrente. Meus interesses se cruzaram nesse caminho, assim como a possiblidade de construir uma pesquisa sobre uma autora contemporânea que produzia ficção com personagens mulheres e também estabelecia um diálogo com Lispector. Isso despertou não só minha curiosidade acadêmico-científica em torno da sua escrita, mas também meu ato político em contribuir com estudos que potencializassem, visibilizassem e colocassem em circulação textos de autoria feminina.
- A partir da sua perspectiva, como analisa o espaço atual dedicado à autoria feminina no mercado editorial?
Penso que caminhamos bastante nos últimos anos com uma sociedade que se mobiliza na luta feminista, mas ainda há um grande caminho a ser percorrido. A edição e a publicação de obras de autoria feminina ainda percorrem todas as dificuldades vivenciadas pelas mulheres para escrever e se inscreverem como autoras, porque não basta que o livro seja editado e publicado. A circulação das obras ainda depende de um conjunto de fatores: as autoras precisam ganhar espaço nas leituras acadêmicas, nas livrarias, nas mídias oficiais, nas premiações literárias, quebrando círculos estabelecidos por critérios que não se voltam necessariamente para a qualidade de uma obra. As mulheres foram silenciadas ao longo da história porque coube a elas o espaço doméstico e o cuidado com tudo o que continha nele. Alcançar o espaço público, podendo refletir inclusive sobre o que era imaginado e estereotipado por uma sociedade heteronormativa, apresentando a experiência genuína, passou por apagamentos, lutas e conquistas. Além de alcançar o mercado editorial hoje, as mulheres que produzem literatura ainda necessitam travar lutas diante de séculos de silêncios e, sabemos, isso não é tarefa fácil.
- Para finalizar, poderia comentar um pouco sobre a importância da valorização dessas autoras e o papel que elas carregam por incentivar jovens escritoras no Brasil?
Nos últimos anos, vivemos a efervescência de uma transformação teórica no campo dos estudos literários contemporâneos, o que fez com que fossem abertas fronteiras, com questionamentos e revoluções que já não podem ser ignorados. Isso fez com que os processos de exclusão, marginalização e silenciamentos experimentassem o ato de serem “passados a limpo”: já figuram em nossas prateleiras livros escritos por mulheres e com personagens mulheres retratadas a partir de um mundo que carrega marcas sociais da diferença. Nesse sentido, as produções de autoria feminina levantam interrogações acerca de representações dominantes, em um projeto que se volta à margem, assumindo a responsabilidade pela história e desconstruindo lugares de privilégio alcançados, por muito tempo, pela autoria masculina. Por isso é fundamental valorizar, ler e debater tais produções. São obras singulares que, por serem de autoria feminina, são capazes de instaurar um campo de desconstrução de subjetividades antes descritas pelo ponto de vista masculino, em um jogo social entre o individual e o coletivo.
Além disso, enquanto mulheres escrevem e lutam por um mercado editorial mais igualitário, também incentivam outras mulheres a escreverem, assim como no momento em que se produzem textos críticos, colocando em tela autoras diversas, revisita-se a teoria crítica e reinscreve-se a trajetória da literatura, com a proposta de desuniversalizar o ponto de vista masculino que, em muitas obras, ao retratar um aspecto social ou um campo moral de homens que escrevem sobre mulheres, ignoram perspectivas de mundo diferentes.
Por isso, a consciência de si, dos outros e do mundo também se faz pela leitura. Para tanto, será preciso ampliar nossas leituras ouvindo e dialogando com vozes e perspectivas diversas. Leia mulheres!
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