A arte produzida em nossa região sofre com certa escassez de análises que a compreendam em sua totalidade, afastadas de pressuposições. Portanto, obras como Otoni Mesquita: fragmentos, bichos, personas e paramentos, o nosso livro do mês, mostram-se urgentes. Esse livro, de autoria de Karen Cordeiro, faz parte da coleção Terra Papagalli, que é voltada às Artes e à História Cultural, especialmente as sobre a Amazônia. Nele, a autora, ao investigar o processo de criação de Otoni Mesquita na década de 1980, cataloga a memorização e exposição da arte contemporânea por meio do acervo do artista, que recria toda a simbologia amazônica em sua arte. A obra de Otoni Mesquita é onírica e retrata o lado simbólico e histórico do Amazonas por meio de uma arqueologia amazonense fantasiosa. Utilizando a base documental das exposições do artista, a autora explora ramos iconográficos em suas análises, e estuda a grande contribuição artística do trabalho de Mesquita.
O livro inicia com uma primeira seção, chamada “Otoni Mesquita”, que nos orienta a respeito da trajetória dele, com uma breve biografia, mas sem um aprofundamento tão longo nos aspectos externos à sua obra, pois nela a autora busca destacar a formação artística e a cronologia da obra e exposições do artista.
No capítulo seguinte, Karen Cordeiro nos apresenta “Fragmentos”, conjunto de gravuras feito por Otoni Mesquita, exposto pela primeira vez no dia 22 de março de 1984. Aqui, o artista cria e recria fósseis imaginários presentes na região amazônica. Utilizando-se de seu conhecimento artístico e arqueológico, Mesquita constrói um universo antigo e material, de maneira muito verossímil.
Produzidos em papel-cartão, juta e outros materiais recicláveis, Mesquita cria representações de bichos nas paredes das galerias. É sobre essas imagens que a autora trata no capítulo “Bichos”. Eles apresentam semelhanças com seres pré-históricos e remetem a uma Amazônia paleolítica imaginada. Estas obras também remetem à forma de escultura, reforçando laços com as técnicas e conceitos utilizados em “Fragmentos”.
Para tornar esse universo antigo ainda mais real, Mesquita cria a série “Personas”, sobre a qual Cordeiro falará no capítulo de mesmo título. Em diálogo com os dois primeiros trabalhos, o artista retrata uma série de seres de natureza mítica e enigmática.
“Paramentos” também faz parte desse universo místico, porém, diferentemente das demais exposições, esta possui uma leveza que a distingue das demais. Trata-se de um conjunto de obras produzidas em aquarela, que representa um conjunto de vestes litúrgicas. Estas formas tendem a aludir a figuras femininas, mas às vezes não representam um gênero específico.
Esses capítulos iniciais oferecem um acervo da obra de Mesquita e nos permitem conhecer esse universo antigo e fantasioso. De maneira inteligente, a autora nos dá uma breve biografia do artista antes de adentrar em suas exposições mais famosas.
Nos capítulos seguintes (a partir de “Envolvimento com artistas locais e engajamento no circuito nacional”) a autora documenta a vida pública de Otoni Mesquita: seu envolvimento com artistas locais, sua vida acadêmica e nos jornais, assim como sua relação com a crítica. Nos anos 80, o artista se inseriu de vez nos eventos culturais da cidade de Manaus, em que fez boa parte de suas exposições.
E, como se não bastasse a potente e aprofundada exposição da obra de Mesquita, a autora também dedica um capítulo para compartilhar os registros materiais do que se concretizaria em bichos e fragmentos. Acompanhamos as páginas com rascunhos, desenhos e rasuras dos seus cadernos de registro, de forma a investigar o seu processo de criação.
Em suma, no livro, Karen Cordeiro realiza um trabalho primoroso ao reunir a obra desse artista e, com isso, destacar um fragmento tão precioso da arte e da cultura amazônica.